sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

A ORIGEM DA ÁRVORE DE NATAL EM PORTUGAL



 
As civilizações antigas que habitaram os continentes europeu e asiático no terceiro milénio antes de Cristo já consideravam as árvores como símbolos divinos. Cultivavam-nas e realizavam festivais em seu favor, essas crenças ligavam as árvores a entidades mitológicas. A sua projecção vertical desde as raízes fincadas no solo, marcava a simbólica aliança entre os céus e a mãe terra. Na Assíria, a deusa Semiramis havia feito uma promessa aos assírios, de que quem montasse uma árvore com enfeites e presentes em casa no dia do seu nascimento, ela iria abençoar aquela casa para sempre. Entre os egípcios, o cedro era associado a Osíris. Já os gregos associavam o abeto a Átis, o loureiro a Apolo, a azinheira a Zeus. Os povos germânicos colocavam presentes para as crianças sob o carvalho sagrado de Odin. Nas vésperas do solstício de inverno, os povos pagãos da região dos países bálticos tinham por hábito cortar pinheiros que levavam para seus lares enfeitando-os de forma muito semelhante ao que faz nas actuais árvores de Natal. Também muito utilizados durante os solstícios de inverno, as guirlandas eram símbolos de bênção dos ambientes, a tradição do seu uso permaneceu durante a Roma antiga.
Durante vários séculos foi proibido o corte de árvores no Natal, por ser associado a costumes pagãos, apesar disso a tradição nunca morreu. Considera-se que a primeira árvore de Natal foi decorada em Riga, na Letónia em 1510. A árvore de Natal é considerada por alguns como uma "cristianização" de tradições e rituais pagãos em torno do solstício de inverno, que incluía o uso de ramos verdes, além de ser uma adaptação de adoração pagã das árvores. Outra versão sobre a procedência da árvore de Natal, indica a Alemanha como país de origem, uma das mais populares versões, atribui a novidade a Martinho Lutero (1483 - 1546), autor da Reforma Protestante do séc. XVI. Conta a lenda que por volta de 1530, olhando para o céu através de uns pinheiros que cercavam a trilha, viu-o intensamente estrelado parecendo-lhe um colar de diamantes encimando a copa das árvores. Tomado pela beleza do que tinha visto, decidiu arrancar um galho para levar para casa e colocou o pequeno pinheiro num vaso com terra, chamando a esposa e os filhos, decorou-o com pequenas velas acesas afincadas nas pontas dos ramos. Decorando-o um pouco mais com papéis e enfeites coloridos. Era o que ele vira lá fora. Afastando-se, todos ficaram pasmados ao verem aquela árvore iluminada a quem parecia terem dado vida. Nascia assim a árvore de Natal. Queria, desta forma, mostrar às crianças como deveria ser o céu na noite do nascimento de Jesus. Esta tradição foi levada para o continente americano mais tarde por alguns alemães, que foram viver para os EUA durante o período colonial assim como pelas influências britânicas do século XIX. 



Árvores como símbolos divinos seculares (arq. pess.)



                                                        Divindades pagãs da antiguidade (arq. pess.)


Representação da comemoração do Natal junto à árvore da vida
pelos povos assírios (arq. priv.)
 



Carvalho secular alusivo à árvore da vida nas comemorações pagãs (arq. priv.)


                                                                    Representação de celebrações pagãs no tronco de carvalho
                                                                                              dedicado a Ódin (col. pess.)


                                           Tradicional guirlanda com arbustos silvestres da época de Natal
                                                                                     usado desde a antiguidade (arq. pess.)



A árvore de Natal brilhante e estrelado que na lenda Martinho Lutero terá visto (arq. priv.)
 
         
                                                           Martinho Lutero 1483 - 1546 (col. priv.)


Comemorações do Natal germânico em família, inspirado na lenda luterana junto à árvore (col. pess.)
 


Postal ilustrado de finais do séc. XIX com alusão
 à árvore de Natal (col. pess.)




Até meados do século XIX, a tradição do Natal, em Portugal, tinha como centro a figura do Presépio. A tradição da árvore de Natal, é trazida para Portugal por Ferdinand von August Franz Anton von Sachsen- Coburg-Gotha-Koháry, que viria a ser o rei consorte D. Fernando II de Portugal (1816 - 1885), de origem alemã, em meados do séc. XIX. Em 1836, a rainha D. Maria II de Portugal (1819 - 1853), casou-se com D. Fernando II, o Rei-Artista. D. Fernando, além de se dedicar à pintura e à música, foi mecenas mandando restaurar vários monumentos históricos em Portugal nomeadamente o palácio da Pena em Sintra. Sendo D. Fernando II, nostálgico das tradições da sua infância, resolveu um dia fazer no palácio da Pena em Sintra uma árvore de Natal, em pinheiro nórdico com aproximadamente 1,20 a 1,50 cm de altura, colhido na Serra de Sintra, para os sete filhos que tinha com a rainha D. Maria II e distribuir presentes vestido de São Nicolau. Este rei possuía vários talentos, entre os quais a pintura e o desenho. Mas, pelos vistos, também as artes decorativas, pois as suas árvores de Natal fizeram história. Isto pode ter marcado os costumes em Portugal, pois esta decoração era originária do mundo germânico e só praticado pelos nobres. Com o seu primo Alberto, tinha passado a infância comemorando o Natal segundo a velha tradição germânica de decorar um pinheiro com velas, bolas e frutos da época como maçãs, peras e romãs. Por isso, quando começaram a nascer os seus filhos com D. Maria II, de referir que a rainha teve 11 gravidezes, mas só sete crianças sobreviveram, e a própria D. Maria morreu aos 34 anos, no parto do 11.º filho, D. Fernando decidiu animar o palácio com um Natal de tradições germânicas. "Nada, nem o ar amuado de D. Pedro (o primogénito e futuro rei D. Pedro V), conseguia estragar as festas de Natal", escreve Maria Filomena Mónica em O Filho da Rainha Gorda - D. Pedro V e a sua mãe, D. Maria II, conto que escreveu inicialmente para os netos, e continua nesta sua narrativa; "Na Alemanha, onde havia grandes florestas, era costume montar-se, nessa época, uma árvore, enfeitada com flores, bonecos e bolas. Em Portugal, o uso era antes o presépio, com o Menino Jesus nas palhinhas. Em 1844, D. Fernando resolveu fazer uma surpresa à família. Colocou em cima da mesa um pinheirinho, pondo ao lado os presentes." Um exemplar desta primeira pequena árvore de Natal foi recriado ao detalhe recentemente no Palácio Nacional da Pena, para recordar esse marco importante nas tradições natalícias em Portugal.



Presépio português em madeira policromada de finais do séc. XVIII (col. Museu de Aveiro)
 


                                                   Rei D. Fernando II de Portugal 1816 - 1885 (col. priv.)


                                                     Rainha D. Maria II de Portugal 1819 - 1853 (col. priv.)



A Sintra romântica, por Domingos Schiopetta, 1829 (col. priv.)


Palácio da Pena, Sintra em meados dos séc. XIX, por João Pedro Monteiro (col. pess.)
  


Comemorações natalícias em família e a primeira árvore de Natal em Portugal, em 1848,
pelo rei D. Fernando II (col. Palácio Nacional da Ajuda, Lisboa)
      


                                    Recriação na actualidade primeira árvore de Natal em Portugal e sala natalícia de D. Fernando II, 
                                                             no palácio da Pena, em Sintra (col. Palácio Nacional da Pena, Sintra)




Desde então no Natal, D. Fernando II passou a mandar decorar um abeto com velas, laços e bolas de vidro transparente, que era colocado, em cima de uma mesa, na sala de estar privada da Família Real, no Palácio das Necessidades. Também se costumavam colocar na árvore já decorada, algumas guloseimas (chocolates, maçãs, romãs e saquinhos de celofane com frutas cristalizadas). No dia 24 à noite, o rei vestia-se de São Nicolau e ele próprio entregava os presentes que trazia dentro de um grande saco, aos seus filhos. Todo esse ambiente natalício do rei D. Fernando e da sua família, pode ser apreciado em duas gravuras e água-forte da sua autoria. O original de um deles de 1848, representando-se a si próprio como Pai Natal, rodeado de sete crianças (seus filhos e da Rainha de Portugal D. Maria II) pode ser apreciado no Palácio Nacional da Ajuda. Mas o que é significativo na imagem é o facto de, segundo se crê, ela ser a primeira representação de uma árvore de Natal em Portugal.
Numa destas gravuras alguns dos principezinhos espreitam por detrás de uma cortina. Um outro, mais velho, está sentado numa cadeira, rindo, com as pernas no ar. Há um que parece tapar os olhos, como quem espera uma surpresa, e as duas meninas espreitam para dentro de um dos sacos da figura vestida de escuro que ocupa o centro da gravura. Ao fundo, sobre uma mesa, está, toda enfeitada, uma árvore de Natal. Num outro desenho mais antigo de D. Fernando II, de 1844, numa representação mais calma e contemplativa, podemos ainda imaginar o que seriam os presentes dos príncipes, que mostra o príncipe D. João, pequenino, com uma camisa de noite comprida e segurando um cavalinho de brincar na mão, a olhar para uma mesa enfeitada com a árvore de Natal, e rodeado de bonecos, um tambor, um estábulo com animais, um soldado de chumbo montado num cavalo. O Natal deixava de ser apenas uma festa religiosa e passava a ser uma festa das crianças. Os nobres, primeiro, e o povo, depois, vendo os hábitos da família real, entre os quais a tradição da árvore de Natal, começam a imitá-los. A rainha ficava encantada com todo este ambiente. Nas cartas que escrevia à sua prima, a rainha Vitória, falava com entusiasmo dos preparativos para a festa de Natal, que seria, aliás, muito semelhante à que Vitória (que tinha casado com Alberto) organizava no Castelo de Windsor, em Inglaterra. De referir que em Inglaterra, a rainha Vitória encantava-se com a mesma tradição, trazida pelo seu marido, Alberto, primo de D. Fernando.
A propósito deste tema, é interessante notar que, no mesmo ano de 1848, em Inglaterra, uma ilustração com a família real inglesa em Windsor, junto à árvore de Natal, é publicada no jornal The Illustrated London News. Foi assim que pela mão dos dois primos germânicos nascia a festa de Natal como a conhecemos hoje neste dois países, generalizando-se por toda a Europa e um pouco por todo o mundo.



                                                         Rei D. Fernando II de Portugal 1816 - 1885
                                                                                         (col. Palácio Nacional da Pena, Sintra)
                                                                                          

                                              Desenho do rei D. Fernando II com árvore de Natal em 1844
                                                                                    (col. Palácio Nacional da Ajuda, Lisboa)


Desenho elaborado pelo rei D. Fernando II de Portugal alusivo às suas comemorações de Natal em família,
em 1848 (col. Palácio Nacional da Ajuda, Lisboa)



                                  Aspecto das comemorações do Natal na casa real inglesa no século XIX (col. priv.)


Páginas do jornal The Illustrated London News, alusivo ao Natal da família real inglesa
no castelo de Windsor em 1848 (col. priv.)



Comemorações do Natal victoriano junto à árvore em meados do século XIX (col. Boston Public Library)




Em quase todos os países do mundo, as pessoas montam árvores de Natal para decorar casas e outros ambientes. Em conjunto com as decorações natalícias, as árvores proporcionam um clima especial neste período. Nas encenações diante das igrejas colocavam-se nas árvores maçãs para lembrar da história de Adão e Eva no paraíso. Mais tarde, as maçãs foram substituídas pelas bolas de vidro, um artesão soprador de vidro da cidade de Lauscha, no leste da Alemanha, inventou no séc. XIX os adereços em vidro colorido para decorar a árvore de Natal. Assim nasceram as bolas usadas até hoje como decoração. Talvez esta tradição trazida para Portugal pelo rei consorte D. Fernando tenha sido o primeiro passo para que o Natal em Portugal tenha deixado de ser uma festa exclusivamente religiosa e tenha passado a ser também uma festa da família. Mas a grande divulgação da árvore de Natal em Portugal, deu-se no século XX, mais propriamente na década de 60, devido à revolução nos meios de informação e comunicação, como a televisão, altura em que, também, a figura do "Pai Natal" começou a "ganhar terreno" ao Menino Jesus – única verdadeira razão pela qual se celebra o Natal, pois Natal significa nascimento; neste caso, é a celebração do nascimento de Jesus. Também as decorações natalícias se adaptaram aos nossos e costumes. Devido à grande proliferação de pinheiros mansos e bravos em Portugal, estes passam a ser adoptados durante muitas décadas para fazer a tradicional árvore de Natal no nosso país. A árvore de Natal é um hábito que se generalizou a um grande número das famílias portuguesas, os elementos pagãos superaram de alguma forma as figuras do presépio que inicialmente marcavam o Natal português, embora por tradição se juntem nas decorações natalícias. Em Portugal, é costume montar a árvore de Natal no dia 8 de dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Portugal. No dia 6 de janeiro, comemora-se o Dia de Reis, data que assinala a chegada dos três reis magos a Belém, encerrando a magia do Natal. Uma outra tradição do Natal é a decoração de casas, edifícios, elementos estáticos, como postes, pontes e árvores, estabelecimentos comerciais, prédios públicos e cidades com elementos que representam o Natal, como, por exemplo, as luzes de Natal. Havendo em algumas zonas até uma competição para ver qual casa, ou estabelecimento, teve a decoração mais bonita, com direito a receber um prémio. Para além das tradicionais árvores de Natal, passando pelas mais simples até às mais sofisticadas, elas são feitas dos mais diversos tipos de materiais, decorações e estilos, acompanhando as tendências, modas e a imaginação de cada um. Na actualidade o Natal é associado ao consumo, às festas, à família, ao convívio, à árvore de Natal e aos presentes. Na maior parte dos casos, a religião fica em segundo plano ou nem é celebrada por muitos, mas o espírito de Natal, esse não se perde.

 

Tradição da árvore de Natal decorada com maçãs (col. pess.)



Representação da árvore de Natal em família, por Viggo Johansen em 1891 (col. priv.)
                        


Caixa com antigas bolas de Natal em vidro decorativas
do início do séc. XX
 (col. pess.)


Bolas e lanterna decorativas em vidro antigas de Natal (col. pess.)



                                       Decoração em árvore de Natal com bolas de vidro e velas (arq. priv.)



                                                                   Cromo do final do séc. XIX juntando o pagão ao religioso,
                                                                                  a árvore de Natal e presépio (col. pess.)


 
Árvore de Natal tradicional dos anos 50 (arq. priv.)
 

 
 
Papel com decoração natalícia para chaminés, usado em Portugal nos anos 50 (col. priv.)

 
 
Árvore de Natal dos anos 60 e a influência da televisão (arq. priv.)
 
 
 
  Tradicional foto junto à árvore de Natal no início dos anos 70 (arq. priv.)

 
 
Árvore de Natal tradicional em pinheiro manso (arq. priv.)
 

                                              Árvore de Natal tradicional portuguesa em pinheiro bravo (arq. priv.)
 
 
Pequena árvore de Natal popular (foto Rafael Direitinho)
 
 
Árvore de Natal tradicional artística feita com um simples tronco (arq. priv.)
       

Diversos estilos e decorações de árvores de Natal (arq. priv.)
                                              


Tradicional árvore de Natal no exterior do Palácio Nacional da Pena
em Sintra, em pinheiro nórdico (arq. priv.)


                                        Árvore de Natal na Praça do Comércio em Lisboa de 2005 (arq. priv.)


                                          Árvore de Natal na Praça do Rossio de 2015 (foto Alexandre de Sousa)

 
 
Árvore de Natal 2015 (foto Paulo Nogueira)



Votos de um Santo e Feliz Natal.






Texto:
Paulo Nogueira



Fontes e bibliografia:
MÓNICA, Maria Filomena, O Filho da Rainha Gorda - D. Pedro V e a sua mãe, D. Maria II, edições Quetzal Editores, 2008, Lisboa
Alexandre Prado Coelho in jornal Público, 2010


6 comentários:

  1. Interessante e como o saber não ocupa lugar ; vamos a isso ; espalhar a sabedoria pelas redes sociais , para quem estiver interessado :

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    1. Muito obrigado pelo seu comentário. De facto embora seja um tema que parece banal o certo é que tem, como todos os temas, muitos factores de interesse histórico por de traz, como quase todos os temas da vida. Neste caso ligado à história de Portugal a partir de um determinado período. As redes sociais precisam cada vez mais de temas de interesse histórico e que transmitam alguma sabedoria aos seus utilizadores, para não se tornarem em meros meios de comunicação, muitas vezes sem conteúdo nem interesse. Há que mudar um pouco a imagem, por vezes negativa, das redes sociais, pois elas servem também para levar o conhecimento e a sabedoria.

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  2. Gratidão pelo texto. Adorei ler e aprender. A nova tecnologia pode trazer-nos conhecimento é preciso é saber fazer a busca. Feliz Natal.

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    1. Muito obrigado pelo seu comentário, de facto o objectivo deste blog é divulgar temas de interesse histórico social através das novas tecnologias, afinal é uma prova, ao contrário do que muitas vezes se diz, que estas novas tecnologias podem ser nocivas, podem ser benéficas e trazer conhecimento. Tudo depende de como são usadas e para que fim, há que fazer as buscas certas consoante os interesses e necessidades. Um Feliz Natal.

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  3. Muito bom trabalho. Gostei imenso. Abraço.

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    1. Muito obrigado pelo seu comentário e apreciação. De todo o material que encontrei na investigação sobre o tema, foi o que me foi possível reunir e assim transmitir de forma acessível a todos que têm acesso a este espaço.
      Abraço

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