sábado, 4 de janeiro de 2025

QUINTAS E PALÁCIOS EM LISBOA E NOS SEUS ARREDORES

Durante os séculos XVII, XVIII e XIX vão surgindo grandes quintas nos arredores da cidade de Lisboa que eram constituídas, na sua maioria, por uma propriedade com casa apalaçada de dois pisos, salvo algumas excepções, piso térreo e superior, área de lazer, jardins, capela e equipamentos de apoio às actividades agrícolas como estrebarias, currais, campos de rega e poços. Eram na sua maioria casas de campo da elite da capital Lisboa onde se juntava o lazer ao rendimento. A cidade de Lisboa devido ao seu clima, luz, situação geográfica e sendo a capital de um vasto império colonial durante séculos, resultaram numa grande quantidade de palácios e quintas mandados construir por famílias nobres ao longo dos tempos. É pois vasta a quantidade de quintas, palácios e palacetes na cidade de Lisboa e nos seus arredores, algumas destas propriedades já desaparecidas ou em vias de desaparecer, mas também alguns casos excelentes exemplos de restauro e reedificação. Umas sendo propriedades privadas ou do Estado, com mais ou menos importância que outras, mas todas elas integradas numa zona, num tempo e época com histórias para contar, influenciando de forma directa e indirecta a origem de certas localidades, assim como toponímias da capital. De todas essas propriedades, existentes, é aqui dado a conhecer alguns desses exemplos.


Quinta do Outeiro ou Quinta de Nossa Senhora dos Prazeres

Situa-se esta propriedade na actual Rua Luís de Camões, antigo caminho do Outeiro, na freguesia das Águas Livres do Concelho da Amadora, território alterado de forma negativa pela urbanização intensiva e pela abertura de vias rápidas, sendo o impacto da IC 19 bastante notório por se situar imediatamente a sul dos edifícios classificados. Desconhece-se ao certo a data da construção primitiva da Quinta do Outeiro (Oiteiro)  de Baixo, antigo nome do local onde esta propriedade se situa. Segundo nos informa o Padre Álvaro Proença (1912 - 1983), em 1703 a Quinta era designada como Quinta do Marquês ou do Coculim, podendo assim estar associada às propriedades do Marquês da Fronteira. A disposição dos imóveis forma um conjunto de planimetria irregular, destacando-se a casa principal senhorial, uni-familiar, com pórtico, um pátio interior  e uma capela datada de 1720, como se pode comprovar na data que encima a porta do respectivo local de culto. É plausível que o palacete da Quinta tenha sido objecto de várias transformações, conforme atesta a inscrição colocada no portal de entrada: "Q.D.N.S. DOS PRAZERES 1731". Segundo Anne Stoop na sua obra Quintas e Palácios nos Arredores de Lisboa (1986): " (...) a parte mais antiga foi alargada no rés-do-chão mediante um pórtico incorporado no edifício e uma galeria que o prolonga. Esta é simultaneamente sobrelevada por um andar ao qual se pode aceder através de uma escada surpreendentemente rústica para uma casa deste tipo. O pórtico, incorporado, permite integrar habilmente na mesma fachada a capela e parte da habitação".


Aspecto do palacete e portão principal da Quinta do Outeiro na actualidade 
(foto Paulo Nogueira)



Aspecto exterior do palacete da Quinta do Outeiro, com a capela e o pátio interior 
em meados dos anos 80 aquando obras de restauro (arq. priv.)


Porta da capela do palacete da Quinta do Outeiro 
encimado com o ano de 1720 (arq. priv.)


Aspecto do altar da capela do palacete da Quinta do Outeiro 
em meados dos anos 80 do séc. XX (arq. priv.)


Portão principal da Quinta do Outeiro na actualidade 
(foto Paulo Nogueira)


Florão que encima o portão da Quinta do Outeiro com nome e ano de 1731, 
ano de reedificação da propriedade (foto Paulo Nogueira)



Terá este imóvel sido amplamente beneficiada em 1720 por António Manescal, conhecido impressor e livreiro lisboeta, que, para além de impressor do Santo Ofício, foi livreiro da Casa do Infantado (1695) e da Casa Real (1711), para além de Familiar do Santo Ofício (1699), teve a mercê de Cavaleiro Fidalgo (1713). A maior ampliação foi construção de uma nova ala, a nascente, que integrava a actual frontaria, de composição sóbria e rectilínea. Foi também criado um espaço coberto de acesso à capela e esta passou a dispor de um coro alto. No interior, a pequena capela combina lambris de azulejo azul e branco com vasos floridos, do primeiro quartel do século XVIII, com  talha dourada no altar, sob um tecto de estuque trabalhado. Nesta entrada têm-se acesso também à zona residencial dos proprietários, situada no primeiro piso, e ainda a uma extensa galeria, ao nível do rés-do chão, que não tem mais nenhuma comunicação com as restantes áreas do edifício. De acordo com os registos da Câmara Eclesiástica de Lisboa, António Manescal obteve licença para edificar e posteriormente se dizer missa (de 7 de Agosto) na ermida que mandara edificar na sua Quinta do Outeiro de Baixo, na freguesia de Benfica. Inicialmente a ermida que era então dedicada ao Seraphico São Francisco, invocação com que aparece referida em 1763 na obra do "Mappa de Portugal Antigo e Moderno" do Padre João Baptista de Castro. Relativamente à capela do edifício mais antigo, situada na extremidade do corpo principal, é de destacar uma fachada com duas pilastras de canto com cornija realçada e um frontão contracurvado que, ao centro, apresenta um medalhão onde se inserem as iniciais da "Virgem Maria". A fachada é ainda rematada no topo por uma cruz em ferro ostentando, também, uma janela alta que se integra, de forma harmoniosa, no nível de janelas com o mesmo desenho do piso superior do edifício residencial. Ao lado da capela existiu um conjunto de sinos, já desaparecidos. O vestíbulo comum da casa e da capela, está ainda decorado com um silhar de azulejo recortado, representando cenas da vida de santos, com molduras rococó, policromas. Terá sido ainda durante o século XVIII, provavelmente por volta de 1720, que por motivo de partilhas a propriedade terá sido dividida, dando origem a outra propriedade, a Quinta de Santa Tereza, ficando esta paralela à propriedade original. Sobre esta outra propriedade pouca informação existe, sabe-se que foi habitada pelos descendentes de um dos seus últimos proprietários até finais dos anos 90 do século XX e depois vendida para outro tipo de construções ali serem implantadas. Desta propriedade pouco de origem ficou, restou o edifício da Quinta, muito adaptado e transformado, tendo recebido obras de melhoramento e uma "cosmética" exterior para parecer um edifício de época. No seu interior mantiveram-se alguns traços originais, que os actuais proprietários tentam manter e preservar para que não se percam, em especial alguns painéis de azulejos de finais do século XVIII. 


Detalhe da frontaria, de composição sóbria e rectilínea 
do palacete da Quinta do Outeiro
 (foto Paulo Nogueira)


Galeria da ala interior do rés do-chão forrada com azulejo com alegorias 
às Quatro Estações e aos Cinco Sentidos (arq. priv.)


Aspecto do coro alto da capela do palacete da Quinta do Outeiro 
em meado dos anos 80 do séc. XX (arq. priv.)


Fachada da capela do palacete da Quinta do Outeiro apresenta um medalhão
 com as iniciais da "Virgem Maria" e torre sineira (arq. priv.)

Detalhe do frontão contracurvado da capela do edifício com um medalhão 
onde se inserem as iniciais da Virgem Maria (arq. priv.)


Painel de azulejos do séc. XVIII no vestíbulo da capela alusivos à vida dos santos 
e pilastras de canto com cornijas (arq. priv.)


Painel de azulejos do séc. XVIII na entrada de capela alusivos à vida dos santos 
no palacete da Quinta do Outeiro (arq. priv.)


Portões principais das Quintas do Outeiro ou de Nossa Senhora dos Prazeres e de Santa Tereza 
na actualidade (foto Paulo Nogueira)



Segundo o "Rol de Confessados" de Benfica de 1764 (livro ou registo elaborado por cada igreja paroquial, com o objectivo de registar quem se confessava durante a quaresma de cada ano e continha os fogos existentes em todas as ruas da povoação, cada um com um número, dando conta de quem lá morava, incluindo criados e crianças), esta propriedade, por esta época, era também conhecida como a Quinta do Capitão do Outeiro, por ali viver o Capitão Gregório José de Mello que, de acordo com um requerimento enviado então à Câmara Eclesiástica, afirma que comprara a propriedade a uma José Victório da Rocha e a reformara com a capela, que havia ficado arruinada no Grande Terramoto de 1755, passando esta a ser dedicada a Nossa Senhora dos Prazeres. O altar da capela foi benzido em 25 de Julho de 1764, pelo cura de Benfica, Padre João da Mata. Este edifício, ainda segundo registos, seria originalmente de um só piso, durante o Grande Terramoto de 1755, sofreu alguns danos e após este trágico acontecimento foi alvo de restauro e obras de ampliação, passando a dispor de um primeiro piso. De referir que esta zona dos arredores da cidade de Lisboa foi pouco afectada pelo trágico Terramoto de 1755. Este primeiro piso do edifício é construído recorrendo à nova técnica pombalina da gaiola anti sísmica, pode ver-se esse detalhe nas paredes de algumas dependências, pelos danos causados recentemente por actos de vandalismo no imóvel. O interior do edifício de habitação é decorado com azulejos pombalinos datados de 1760-1770, num programa composto por sumptuosos motivos em trompe l'oeil (técnica artística que, com truques de perspectiva, que cria uma ilusão óptica que faz com que formas de duas dimensões aparentem possuir três dimensões), de gosto neoclássico com composições historiadas em telas nas paredes no salão nobre e alegorias sobre as "Quatro Estações" e os "Cinco Sentidos" na galeria do rés-do-chão. A galeria do rés-do-chão está forrada, até meia altura, com azulejo recortado de moldura policroma, típica do terceiro quartel do século XVIII, e tem conversadeira nos vãos das janelas. Na parede poente são ainda visíveis as janelas da primitiva edificação. Dispõe de uma ampla cozinha de onde se destaca a grande chaminé. Em 1764, ainda segundo os registos do referido padre, a propriedade é designada como Quinta do Capitão do Outeiro. Neste ano, terá ali vivido o padre Manuel de Carvalho, capelão da Ermida de Nossa Senhora dos Prazeres desta mesma quinta. Ainda segundo os mesmos registos, há ainda referencia à existência de um caseiro, um carreiro, um escravo, um mulato e uma quantidade de criados completavam o pessoal da casa que incluía um mestre de meninos. Ao longo de toda a centúria de Setecentos a propriedade foi sendo sucessivamente habitada e gerida pelos caseiros e capelães responsáveis pelo oratório privado, donde se depreende que os donos apenas se deslocavam à Quinta em alguns períodos do ano.  A par com a área agrícola, bastante vasta e murada, dispondo de janelas com "bancos dos namorados" nos muros protegidas por gradeamentos que funcionavam como mirantes, hoje em grande parte expropriada. Existia um sistema de rega com água fornecida por um poço com nora e sendo atravessada, no terreno actualmente expropriado, a parte inicial original da Ribeira de Algés. De referir que a nascente original desta ribeira se situava onde hoje está o complexo do Estado Maior da Força Aérea Portuguesa. Junto ao conjunto habitacional da Quinta do Outeira, dispunha esta casa ainda de um jardim em socalco com tanques, poço com nora, dois relógios de sol instalados em alguns pontos da área ajardinada e algum arvoredo diversificado. Para além dos armazéns anexos existia ainda um lagar para a produção de azeite e outro para a produção vitivinícola. A capela da casa, que terá sido profundamente reformulada na segunda metade do século XVIII, alberga um altar de talha dourada de gosto barroco, apresentando ainda, no tecto estucado, uma representação da Assunção da Virgem. Em 1765, o capelão da ermida é o Padre Manuel Fernandes Trigo que por sua vez também administrava a casa e os criados. Há registos de que cerca de 1769, o caseiro é um italiano, de seu nome Hierónimo André. 


Ex-voto da segunda metade do século XVIII alusivo ao Terramoto de 1755, pintura a óleo 
(col. Museu da Cidade de Lisboa)

Imagem de Nossa Senhora dos Prazeres
 à qual passa a ser dedicada a ermida 
da Quinta do Outeiro 
(col. priv.)

Detalhe do altar da capela do palacete da Quinta do Outeiro 
na actualidade recentemente vandalizado (arq. priv.)


Uma das dependências no primeiro piso do palacete da Quinta do Outeiro na actualidade 
com sinais de vandalismo (arq. priv.)

Primeiro piso do palacete da Quinta do Outeiro com sistema gaiola anti sísmica 
visível na parede degradada na actualidade (arq. priv.)


Painéis de azulejos do séc. XVIII com alegorias às Quatro Estações e os Cinco Sentidos 
no piso térreo do palacete da Quinta do Outeiro (arq. priv.)


Aspecto do que restou da cozinha do palacete da Quinta do Outeiro (arq. priv.)



Aspecto do pátio interior do palacete da Quinta do Outeiro na actualidade (arq. priv.)


Aspecto do que restou do jardim em socalco e tanque da Quinta do Outeiro, na actualidade (arq. priv.)


Detalhe de um dos tanques do jardim da Quinta do Outeiro na actualidade (arq. priv.)



Até finais do século XIX a devoção a Nossa Senhora dos Prazeres era festejada em romaria na zona, todas as segundas feiras de Páscoa. Eram esses festejos realizados anualmente na segunda feira depois do domingo de Páscoela, havia grandes festejos com missa cantada e sermão. Armava-se junto a esta propriedade um grande arraial frequentado por gentes das redondezas que ali acorriam. Também alguns ex-votos que existiram na capela, demonstram o reconhecimento da população relativamente aos poderes curativos de um pequeno poço protegido por uma abóbada em tijolo, que ainda existente integrado num ambiente urbano, e se situa junto da Quinta. Num registo notarial de Abril de 1769, é relatado um episódio curioso que parece confirmar que esta era bastante frequentada pelo povo da redondeza, naquele registo, o Capitão Gregório José de Mello e seu irmão Manuel Caetano de Mello declaram perdoar as pessoas que se acharem culpadas na arruada (ou assuada) e distúrbio que houve no pátio da quinta deles durante os festejos, o que sucedera a 2 daquele mês perto da meia noite. Nos anos seguintes, são os capelães que administram a casa, depreendendo-se que os donos só iriam à Quinta em temporadas de verão, como era tradição do século XIX. Já no século XIX, em 1811, a Quinta pertencia a Francisco José Maria de Brito. Em 7 de Abril de 1849 era descrita como: "Quinta do Outeiro, junto ao logar da Buraca, em Bemfica; consta de casa nobre, casa de caseiro, e todas as necessárias officinas; tem excellente agoa nativa, com sua nora, e compõe-se de um pomar de laranja, horta, e vinha". 


Aspecto do pequeno poço protegido por uma abóbada em tijolo, junta da Quinta do Outeiro
 em finais dos anos 80 do séc. XX (arq. priv.)


Festa com arruadas semelhante à das comemorações de Nª Senhora dos Prazeres 
na Quinta do Outeiro, finais do sec. XVIII (arq. pess.)



Em registos já do início do século XX, consta que a Quinta do Outeiro ou de Nossa Senhora dos Prazeres, pertenceu a António de Mesquita até 1905. Anos mais tarde, é adquirida por um antepassado da família Canas da Silva, da qual os actuais donos descendem. A casa da propriedade será, ainda durante meados do século XX, adaptada a fábrica de curtumes. Posteriormente, em 1957, foram feitas obras de beneficiação no edifício devido aos estragos provocados por este tipo de actividade industrial ali instalado. Neste espaço do casario das propriedades, Quinta do Outeiro ou de Nossa Senhora dos Prazeres e Quinta de Santa Tereza, formou-se um pequeno conjunto habitacional, constituído por alguns empregados da propriedade e seus descendentes, que as habitaram até finais da década de 90 do século XX.  Nos finais dos anos 70 do século XX, a casa da propriedade, é alugada e habitada por uma família, não pertencente aos proprietários, que terá alterado e danificado algumas partes do interior do edifício com o objectivo de adaptar o espaço a residência. Devido à construção da Radial da Buraca, do conjunto original que a compunha, resta apenas a casa solarenga, a capela e alguns edifícios anexos. É propriedade particular e encontra-se classificada como Imóvel de Interesse Municipal, no entanto o conjunto habitacional esta a degradar-se e as entidades que deveriam zelar pela preservação nada fazem a avaliar pelo estado em que se encontra o que resta do imóvel. Há registos de graves actos de vandalismo e roubos que danificaram o interior de algumas partes e até dependências do edifício principal da Quinta do Outeiro. De referir que esta propriedade chegou a estar em venda mas sem sucesso de encontrar comprador, continua sendo propriedade privada.


Edifício e portão  principal da Quinta do Outeiro no início do séc. XX (arq. pess.)


Zona da entrada principal da Quinta do Outeiro e casas dos empregados na actualidade 
(foto Paulo Nogueira)


Perspectiva em vista aérea da Quinta do Outeiro na actualidade, Google Maps



Aspecto de um dos cómodos do 1º piso do palacete da Quinta do Outeiro 
vandalizado na actualidade (arq. priv.)





Texto: 

Paulo Nogueira


Fontes e Bibliografia:

CASTRO, Padre João Baptista de, Mappa de Portugal Antigo e Moderno, tomo III, parte V, Lisboa, 1763

PROENÇA, Padre Álvaro, Benfica através dos tempos, Lisboa, edição Ulmeiro, 1954

STOOP, Anne de, Quintas e Palácios nos Arredores de Lisboa, Lisboa, Civilização, 1986

CALDAS, João Vieira, A Casa Rural nos Arredores de Lisboa no Século XVIII, Lisboa, 1987 






sábado, 17 de junho de 2023

AS BARCAS DE BANHOS DO TEJO

Os verões dos lisboetas...




Segundo registos, no território português, a "vilegiatura balnear marítima" ou temporada de praia, começa a ser praticada a partir do final do século XVIII pela princesa e rainha consorte Carlota Joaquina (1775 - 1830), em Caxias, e alguns anos mais tarde, em 1807, seguindo a tradição, pelo Marquês de Belas e seu sobrinho o 7.º Marquês de Fronteira, em Pedrouços e Algés onde possuía o seu palácio de praia. No entanto, desde meados do século XVIII que, em Inglaterra, se popularizaram os banhos de mar, ou de rio, como tratamento para males de pele, respiratórios, digestivos ou "nervosos". As classes mais abastadas (e arrojadas) foram fazendo o tratamento marítimo junto à costa, isto até ao início do último quartel do século XIX, em que se popularizaram e mais tarde democratizaram "os banhos". Para o comum dos banhistas em Portugal, nomeadamente na cidade de Lisboa, era possível, logo nos primeiros anos do século XIX, usufruir dos banhos de "tratamento marítimo" no rio Tejo, protegido dos olhares indiscretos, no interior das famosas Barcas de Banhos criadas então para o efeito. A este tipo de local para banhos públicos, encontra-se referência à existência, já em 1761, de uma destas Barcas de Banhos, ancorada no rio Sena, junto à Pont-Royal, em Paris explorada pelo senhor Poitevin. Para além dos Bateaux à Bains, como eram designados, com a modalidade do banho quente e frio, são também conhecidos os Bateaux-Lavoirs, lavadouros flutuantes compostos, por regra, de um espaço para lavagem da roupa, ao nível da água, e de outro para secagem, num segundo piso. Eram estes banhos desfrutados nas Barcas de Banhos, considerados terapêuticos em águas correntes do rio Tejo, águas estas que se renovavam sob o influxo das marés. As Barcas de Banhos menores tinham a forma de uma pequena casa de madeira, construídas sobre enormes faluas, para as quais se entrava por meio de um pontão que vinha da embarcação para o cais, onde se vendiam os bilhetes e alugavam os lençóis, fatos de banho e as bóias, porque quem sabia nadar tinha autorização para se banhar fora das gaiolas reservadas aos banhistas, em volta da construção. À ré da embarcação, encontrava-se o "banho geral", onde os utentes se agarravam a uma corda, que um marítimo experiente vigiava, banho este que se pagava com um pataco. Existem referências de que em 1811, eram três as barcas disponíveis junto à Praça do Comércio, nos anos seguintes mais ainda se popularizaram, mercê de diversos tratados de higienistas que louvavam tão são tratamento. Na publicação inglesa "Sketches of Portuguese Life" de 1826, é representado em gravura aguarelada, um pequeno bote catraio de apoio às barcas, munido com toldo ou barraca de banhos que os banhistas lisboetas utilizavam para os seus banhos terapêuticos fluviais no rio Tejo. Serviam igualmente estas pequenas embarcações para quem quisesse tomar banho no meio do rio. As barracas em lona destes pequenos botes tinham a forma de uma caixa paralelepipédica, que se armava à popa do bote e eram constituídas por uma armação de 4 prumos e 4 travessas de madeira, que se revestiam com um toldo de lona, cujas arestas verticais e os bordos inferiores se prendiam com atilhos de nastro ou cordas, de forma a ficar complemente impenetrável à vista o interior da barraca o que garantia uma maior privacidade. Refira-se que é um dos mais antigos registos conhecidos em imagem, deste tipo de embarcação e actividade que nelas se praticava. Em outros registos mais tarde surgem na paisagem ribeirinha estes pequenos botes catraios nomeadamente frente à Praça do Comercio, como num estudo de leque em papel, edição Casa Verissimos Amigos de 1840.


Rainha consorte portuguesa Carlota Joaquina 1775 - 1830
 (col. Museu de Arte de São Paulo)


Banhos de mar e de rio, como tratamento para males de pele, respiratórios, digestivos ou "nervosos"
 muito populares em Inglaterra nos finais do séc. XVIII (arq. pess.)


Pequenos botes catraios no início do séc. XIX que os banhistas lisboetas utilizavam
 para banhos terapêuticos fluviais no rio Tejo
(col. pess.)

Pequeno bote catraio de apoio às Barcas de Banhos em 1826 que os banhistas lisboetas também utilizavam
 para os seus banhos terapêuticos fluviais no rio Tejo in  "Sketches of Portuguese Life" (arq. priv.)


Pequeno bote de banhos no rio Tejo junto à Torre de Belém 
numa pintura a óleo sobre tela de meados do séc. XIX 
(col. pess.)


Bote catraio utilizado para o transporte de banhistas às Barcas de Banhos junto ao cais dos vapores
 na Praça do Comércio em 1840, estudo de leque, edição Casa Verissimos Amigos (arq. BNP)



Não existe uma data ou uma referência concretas de quando este tipo de barca surgiu no rio Tejo, no entanto há notícias de que em 1835 existiam outras Barcas de Banhos com os nomes: "Barca Grande", "Barca dos Tonéis" e "Barca do Hiate". Muito provavelmente terão dado origem às três mais famosas Barcas de Banhos do Tejo. Assim, em 1848 havia três Barcas de Banhos do Tejo famosas, como ficou registado no curioso desenho litográfico colorido para papel de leque editado pela Casa Verissimos Amigos com um aspecto da Praça do Comércio. Essas 3 barcas, consta que se chamavam "Flor do Tejo", "Diligência" e a mais famosa a "Deusa dos Mares". Mal se entrava no Verão encontravam-se atracadas no rio as célebres Barcas de Banhos, mais precisamente, no Cais de Santos, na margem do rio Tejo, pouco mais ou menos onde hoje fica a estação ferroviária da Linha de Cascais. Assim que o calor se tornava insuportável em Lisboa, o alfacinha acorria às Barcas de Banhos no Tejo para se refrescar. Efectivamente os lisboetas não eram muito dados a idas à praia, porque os transportes eram caros e escassos e quanto muito ia-se até Belém, Pedrouços ou Algés apanhar o ar marítimo e dar passeios à beira rio. Equivaleriam hoje as Barcas de Banhos às nossas actuais praias. Os banhos de mar tomavam-se apenas como tratamento prescrito pelos médicos e era na zona da Fundição ou na Praia de Santos que de manhã se ia mergulhar na lama ou na água suja de toda a imundície que naqueles locais eram despejadas. Também mais a norte do rio Tejo, por entre quintas e terrenos de cultivo, existiam as praias de Xabregas com extensos areais, como a da "Marabana", que tinham o seu público habitual. Com as epidemias que assolaram Portugal, nomeadamente a cidade de Lisboa em 1856, a cholera morbus em 1857 e o outro flagelo, que se tornou ainda mais devastador, a febre-amarela, este negócio das Barcas de Banhos sofreu uma quebra mas por outro lado era a solução para evitar os locais imundos da beira rio para banhos e ter alguma higiene. Assim, para além das barcas já existentes, as famosas barcas com os pomposos nomes de  "Deusa dos Mares" e "Flor do Tejo", apareceram mais tarde, as "Flor da Praia" e "Flor de Lisboa", entre outras. Como essas barcas estavam amarradas à terra, ou ancoradas muito próximo, as águas eram iguais e ainda por cima o banho tomava-se dentro de verdadeiras gaiolas; mas, por muito tempo, foi moda "ir às barcas" que além do mais serviam para o cultivo do namoro e de encontros furtivos combinados ou não. Três dessas barcas, encontravam-se atracadas perto uma das outras, sendo a primeira, a contar do Cais de Sodré para a Praça do Comércio, a "Lisbonense", pintada de negro com vivos brancos; seguindo-se a "Vinte e Quatro de Julho" pintada de azul e a terceira, a "Feliz Destino", toda de verde. A primeira era frequentada por gente do povo, a outra pelos remediados e a terceira pelos de mais posses. As empresas que exploravam estas Barcas de Banhos tinham ao seu serviço pequenos botes catraios, munidos com um toldo ou uma barraca de lona, que iam buscar e levar os respectivos fregueses ao embarcadouro da Praça do Comércio, junto às escadas do cais do canto sudeste da então estação dos Caminhos de Ferro do Sul e Sueste. Num registo de 1870, por T. W. Langton é possível ver uma dessas barcas frente ao Terreiro do Paço. Igualmente junto ao Cais das Colunas e no Cais do Sodré, concentravam-se os estabelecimentos de exploração destas Barcas de Banho com funcionários, barqueiros, figuras que também elas se tornaram típicas de Lisboa, que animavam a vida ribeirinha com os seus pregões:

"Quem quer tomar banho? 

Quem se quer refrescar? 

Quem vai à Barca?"

Em 1865 os preços dos bilhetes dos banhos custavam:

Primeiro banho de proa, $120 réis; Banho de proa, $100; Banho de chuva, $160; Banho reservado, $200; Banho grande, $120; Banho de ré, $080; Banho geral, $060.    



Vista da Praça do Comércio com embarcações e Barcas dos Banhos do Tejo em 1848, 
papel para leque, edição Casa Verissimos Amigos (col. Museu de Lisboa)


As 3 principais Barcas de Banhos do Tejo, consta que se chamavam
 "Flor do Tejo", "Diligência" e a mais famosa a" Deusa do Mar", 
frente à Praça do Comércio em 1848 (arq. pess.)


Aspecto da praia da Rocha do Conde de Óbidos em Santos no séc. XIX, 
onde alguns lisboetas faziam banhos ditos "de mar", 
uma zona ribeirinha insalubre, por Alfredo Keil
(col. priv.)



Embarcações no rio Tejo, incluindo uma Barca de Banhos, frente à Praça do Comércio
 na década de 1860, detalhe de prova em albumina,
 foto Francesco Rocchini, photographo
(arq. BNP)



Barca de Banhos frente à Praça do Comércio em 1870, vendo-se à popa  um bote catraio 
para transporte dos banhistas, por T.W. Langton (col. ppriv.)


Figura de barqueiro típico do Tejo da região de Lisboa em 1846, 
gravura aguarelada e desenho de E. J. Maia (arq. priv.)



                                                    A Barca "Deusa dos Mares"

Esta barca em especial, tem uma história curiosa e digna de menção. Terá pertencido outrora à praça de Lisboa e fazia a carreira da Índia debaixo do nome "Maia Cardoso". Mais tarde, foi armada em vaso de guerra, e por esse motivo mudou de feição e de nome. Passou a chamar-se "Trovoada" e assistiu impassível, no alto mar, à desencadeada luta dos elementos, pois era feita de madeira de teca e da melhor construção, prestando serviços à armada e ganhando mais um título à estima pública. Seguiram-se os anos e o vaso de guerra voltou ao Tejo. Cansado já da glória, e depois de se ter tornado útil ao comércio e à marinha, foi vendida por três contos a Vicente Grimar, desarmou-se dos apetrechos bélicos, e ataviou-se elegantemente como Barca de Banhos denominada, com um nome pomposo "Deusa dos Mares". Era muito bem conceituada, porque teve diversos melhoramentos, a ponto da barca chegar a conter 31 banhos a estibordo e bombordo, sendo estes divididos em banhos diferentes, como por exemplo: 4 banhos de chuva, 2 reservados e 3 grandes, tendo a facilidade de reunir 3 banhos num só, quando se dava o caso da família ser numerosa. Como se todos estes atractivos não fossem bastantes, tinha mais 2 magníficos banhos gerais com o comprimento de 102 pés ingleses, e a conveniência de servir um dos banhos de escola de natação, descobrindo-se metade, e tornando-se por tanto muito mais claro do que os outros. Davam-se, também  banhos quentes em tinas e igualmente mornos de chuva. O que sobretudo demonstrava claramente a excelência desta barca era o estar colocada na corrente da água e os banhos de proa serem "tão fortes e cristalinos como o das praias". A bordo, ainda havia um "bufete", onde os banhistas encontravam sempre um bom serviço e preços acessíveis. Havia sempre à disposição dos frequentadores da "Deusa dos Mares" 3 botes no cais do Terreiro do Paço e 2 no Cais do Sodré. Esta barca media da proa à popa 156 pés ingleses e 61 de boca, sendo por conseguinte a maior embarcação, ao seu tempo. Sensivelmente entre o ano de 1872 e o de 1874 as condições da água do rio devem-se ter alterado, assim como as instalações da barca devem ter-se deteriorado, talvez por falta de manutenção, assunto esse que foi remediado dando origem a um curioso anúncio publicado no Diário Ilustrado de agosto de 1874, que diz o seguinte: 

"Esta barca acha-se fundeada defronte do Arsenal da Marinha, no local, onde a corrente da água é puríssima, mesmo na baixa-mar, por estar convenientemente afastada da canalização dos despejos da cidade. Depois dos melhoramentos que a empresa, como costuma, realizou este ano, foi a Barca vistoriada pelos peritos do Arsenal da Marinha, em virtude do que o Ilm.º e Exm.º Sr. Capitão do Porto deu o seguinte despacho ao requerimentos que nessa ocasião se fez. Tendo-se passado vistoria e sendo esta de parecer que a barca se acha em boas condições, para o serviço a que é destinada, concedo a licença pedida para vir para a sua amarração. - Departamento do Centro, 26 de Julho de 1874." 

A publicação deste despacho garantiu a solidez das obras realizadas e desvanece quaisquer dúvidas, que por ventura houvessem a tal respeito. A boa ordem, asseio e comodidade são rigorosamente observados, como convêm em estabelecimento de tal ordem. O banho geral para homens corre em volta da popa da barca e mede 102 pés, sendo por tal motivo apropriado para o exercício de natação, sem que haja perigo. A bordo alugam-se roupas, assim como se ministram banhos mornos. 


Considerada a Barca de Banhos do Tejo mais famosa, melhor apetrechada e bem frequentada (arq. pess.)


Anuncio à Barca de Banhos "Deusa dos Mares", 
publicado no Diario Illustrado de 24-07-1872
(arq. BNP)


Aspecto de Lisboa na década em 1870, vendo-se no Tejo diversos tipos de embarcações 
incluindo a barca "Deusa dos Mares", foto J. Laurent (arq. Ruiz Vernacci)


Mas num dos relatos mais detalhados, o do Eng.º e historiador Augusto Vieira da Silva (1869 - 1951), que ainda frequentou estas barcas em 1875, na companhia de sua mãe, descreveu em detalhe e rigor, como eram estas Barcas de Banhos do Tejo: "Tratavam-se de velhos cascos de barcos que se adaptavam a essa nova aplicação. Para esse efeito, ao longo de uma coxia longitudinal de circulação no convés, adaptava-se, a cada um dos costados, de proa à popa, uma estrutura de madeira semelhante a uma longa caixa, com tecto, dividida interiormente por tábuas transversais em celas ou compartimentos, com uma porta para o convés na parede anterior. Constituíam essas celas as barracas, para os banhistas se vestirem e despirem. Os compartimentos alongavam-se para fora do convés do barco, e as suas paredes laterais e as posteriores, que desciam vedadas até ao nível da água, prolongavam-se para baixo deste nível com a forma de gaiolas, com três das suas paredes feitas de grades de sarrafos, e com o fundo de tábuas de soalho, que ficava cerca de 1,30 m abaixo do nível normal da água nos compartimentos. Deste modo, cada barraca podia considerar-se formada por dois compartimentos sobrepostos: um aéreo, com o pavimento ou estrado a nível do convés, no qual os banhistas se preparavam para o banho; outro aquático ou submerso, ou poço onde se tomava banho, limitado pelo gradeamento de sarrafos e pelo costado do barco. Como os barcas estavam fundeadas, a água corrente do rio atravessavam os diversos compartimentos, pelos intervalos das grades de madeira o que proporcionava aos banhistas água corrente, com alguns encontros inesperados com peixes, alforrecas e uma ou outra imundície que vagueava pelo rio."

Em finais do século XIX, também Raphael Bordallo Pinheiro (1846 - 1905), dedicou a sua peculiar ironia às Barcas de Banhos do Tejo, na revista "O António Maria" de 16 de setembro de 1880,  deixando-nos rico relato e picarescos detalhes desta prática terapêutica. 


 
Eng.º e historiador Augusto Vieira da Silva 1869 - 1951 
(arq. priv.)





Sátira alusiva às Barcas de Banhos do Tejo por Raphael Bordallo Pinheiro
in O António Maria de 1880 (arq. Hemeroteca digital CML)



Apesar do uso ainda das Barcas de Banhos, o grande impulso à procura das praias para banhos, deu-se a partir da década de 70 do século XIX. O rei D. Luiz I (1838 - 1889) e a família real portuguesa, começaram a mudar-se com alguma regularidade para a Cidadela de Cascais durante o Verão, o que foi amplamente publicitado na época e levaria muitas famílias a procurar seguir-lhes o exemplo. Passou a ser moda da sociedade lisboeta ir para Cascais na época estival. Até à inauguração do caminho de ferro e das 11 estações entre Pedrouços e Cascais, em 1889, a viagem até a esta Vila só podia ser feita num barco dos Vapores Lisbonenses, dotados com salão de fumo e cadeiras estofadas, ou num carrão que transportava 36 pessoas, em qualquer dos casos, o percurso demorava quatro horas para cada lado.  As já conhecidas praias do Bom Sucesso, da Torre de Belém, Pedrouços, Algés e da Cruz Quebrada, na zona ribeirinha do Tejo, em finais do século XIX princípios do século XX tiveram então o seu grande apogeu. O areal do limite sul do sítio de Pedrouços era o seu grande motivo de fama na 2ª metade do século XIX, já que depois de Belém era a praia dos arrabaldes de Lisboa mais procurada pela aristocracia, pela alta burguesia e até pela intelectualidade da época. A praia de Pedrouços, "formosa estação de banhos", como era conhecida, com as suas famosas barracas de banhos, é considerada a praia precursora das praias do Tejo. Em 1870, esteve na sua quinta em Pedrouços, junto à margem esquerda da ribeira de Algés, o duque de Cadaval, aí usufruindo dos banhos de mar e da mata. As praias de Pedrouços, Belém e Algés passaram a ser consideradas praias mundanas, razão pela qual eram muito concorridas por quem queria ver e ser visto, a praia da Cruz Quebrada era considerada uma das mais discretas.  Existem referências para o ano de 1873 da presença igualmente nesta praia da Viscondessa de Algés, do Conde de Casal Ribeiro, de Fortunato Chamiço (1815 - 1895) e do escritor Eça de Queiroz (184 - 1900), com as suas famílias. 


Rei D. Luiz I 1838 - 1889 (arq. priv.)


Praia da Ribeira em Cascais, usada pela família real portuguesa 
a partir da época do rei D. Luiz I na década de 1870 
(arq. CMC)


As Praias de Banhos em 1884, por Marques de Oliveira, em moda nos finais do séc. XIX (col. priv.)



Com o progresso dos meios de transporte da cidade de Lisboa, nomeadamente os carros americanos da CCFL (Companhia Carris de Ferro de Lisboa) a partir de 1872, a linha de caminho de ferro de Cascais da Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portuguezes em 1889, a possibilidade da deslocação dos banhistas e veraneantes lisboetas para zonas balneares de qualidade, que começam a estar na moda, faz com que vão desaparecendo as Barcas de Banhos. Além de tornarem as viagens cinco vezes mais rápidas, os caminhos-de-ferro estimularam a descoberta das praias, com a criação de "bilhetes de temporada de banhos de mar e águas minerais", válidos por 60 dias entre julho e outubro. Estes bilhetes para a temporada de banhos iriam manter-se até ao século XX, dada a sua grande procura pela população lisboeta. Alguns dos artistas da época representaram nos seus quadros essa nova moda que se estava a instituir aos poucos na sociedade lisboeta de então, durante aqueles períodos do ano, as praias e banhos de mar. Para além das casas de veraneio que começam a proliferar nessas zonas balneares, também surgem os hotéis, junto à praia de banhos de Pedrouços por exemplo, como o Hotel Tejo e o Hotel Club, mesmo junto à estação de caminho de ferro. O habito de fazer praia, foi essencialmente elitista, ligado à aristocracia e à burguesia endinheirada, durante todo o século XIX e até durante o inicio e meio do século XX. Apesar do impacto decisivo do comboio no aumento do número de banhistas, não havia misturas de classes. À medida que a burguesia foi enchendo as praias da Linha de Cascais, a seguir à Torre de Belém e Pedrouços, a aristocracia aproximou-se da família real e concentrou-se em Cascais. Com isto e a par com as Barcas de Banhos que ainda restavam, as praias de banhos, para quem preferia, foram-se sucessivamente deslocando para a foz do rio Tejo e para mais distante. Aos poucos no final do século XIX desaparecem do rio Tejo as Barcas de Banhos e os alfacinhas vão mudando os seus hábitos de verão. Durante muitos anos, estas embarcações adaptadas, as famosas Barcas dos Banhos, acabaram por fazer parte da paisagem e do quotidiano do rio Tejo na região de Lisboa, tal como as restantes embarcações típicas nele existentes. No fim do século XIX, início do século XX, apesar de alguns proprietários de Barcas de Banhos ainda que fizessem questão de as manter activas, assim como os pequenos botes catraios para o transporte dos poucos clientes banhistas, era possível, segundo relatos, ver restos de uma dessas Barcas de Banhos abandonada e a apodrecer no areal na zona da Junqueira. 


Estação de caminhos de ferro do Cais do Sodré e carros americanos em finais do séc. XIX 
que permitem a deslocação de banhistas e veraneantes às praias mais distantes de Lisboa 
(arq. AML)


Bilhete da Companhia Carris de Ferro de Lisboa até Algés
 para a temporada de banhos em finais do séc. XIX
(col. Carlos Caria)


Anuncio alusivo aos banhos de praia e das Barcas de Banhos em Lisboa de 1888,
in Guia-Annunciador do Viajante Luso-Brazileiro (arq. BNP)



Panorâmica do rio Tejo, vista do Cais do Sodré em finais do séc. XIX
 vendo-se ainda a Barca de Banhos "Nova Flor", foto Legado Seixas
(arq. AML)

Praça do Comércio vista do rio, vendo-se ainda um pequenos bote catraio, munido com um toldo
 usado para o transporte de banhistas ás Barcas de Banhos (arq. priv.)


Praia de Pedrouços com as suas famosas barracas de banhos em 1876 (arq. pess.)


Alusão à praia de Pedrouços em 1897, in revista Branco e Negro (arq. Hemeroteca digital CML)


Uma antiga Barca de Banhos do Tejo frente à Praça do Comércio
 em postal ilustrado de meados de 1900 (col pess.)


Restos de uma das Barcas de Banhos abandonada e a apodrecer no areal da Junqueira 
em meados do início do séc. XX (arq. pess.)





Em finais do século XIX inícios de XX, passou a ser frequente ver a família real portuguesa, incluindo o rei D. Carlos I (1863 - 1908), juntamente com a rainha consorte D. Amélia de Orleães (1865 - 1951), reunida durante os verões em Cascais fazendo praia. A moda de ir à praia a Cascais e passar o período estival na região instalou-se definitivamente na alta sociedade lisboeta e até nas classes mais baixas desde então.  Tal como na época das antigas Barcas de Banhos, passa então a ser moda as famílias mais abastadas da capital fazerem época de praia ou ir a banhos, com encontros e confraternizações amigas no período do verão. Para tal alugando ou adquirindo casas e propriedades ou ficando nos hotéis que começam a proliferar nesses locais de veraneio dos arredores de Lisboa ou até mesmo em casas dos banheiros dessas praias que as alugavam nesses períodos de verão. Como curiosidade, as banhistas especialmente, nestas praias de banhos do inicio do século XX, tinham por habito ser sempre ajudadas por banheiros e nunca conseguiam nadar devido ao peso dos seus fatos. Quando saíam da água cobriam-se com uma capa e de imediato corriam para as barraquinhas de madeira ai existentes, para assim mudar de roupa. Os divertimentos nestas parias começam a fazer parte da paisagem, especialmente em Pedrouços, Algés e Paço de Arcos, com os famosos baloiço onde os mais novos se divertiam e confraternizavam. Surgem já em meados do século XX nessas praias lisboetas, os vendedores galegos dos famosos "barquilhos" ou "línguas da sogra", sempre com o seu animado jogo de roleta e mais tarde os vendedores das "bolas de Berlim". No início do século XX, seriam igualmente criados "bilhetes de temporada de banhos" para outras praias da região de Lisboa como a Trafaria, que começa a ser muito procurada para levar crianças, após a criação da Colónia de Férias pela rainha D. Amélia. Apesar do convívio que sempre esteve presente nestes espaços se manter, outros conceitos diferentes dos famosos banhos terapêuticos das outrora Barcas de Banhos do Tejo surgem. Ir à praia durante o século XX e na actualidade, não se prende já com questões terapêuticas ou de saúde mas sim por uma massificação do turismo e a sua expansão internacional assim como as novas concepções de moda sobre o corpo. Tudo isso fez com que se desenvolvesse um modelo e conceito de praia totalmente diferente do anterior, voltado mais para as férias, o sol e o lazer. Algumas das praias em redor de Lisboa continuam a ter fama, sendo procuradas quer por publico nacional quer estrangeiro, para lazer por muitos veraneantes de todas as classes sociais e por desportistas praticantes de desportos aquáticos em especial de surf e windsurf


Membros da família real portuguesa na Praia da Ribeira ou dos Pescadores em Cascais 
durante a época estival em 1900 (arq. CMC)


O rei D. Carlos I tomando banho de mar na Baía de Cascais em finais do séc. XIX (arq. CMC)



Banhistas durante os seus banhos de mar na praia da Ribeira em Cascais em 1900 (arq. CMC)



Ambiente da praia de banhos de Paço d'Arcos com os baloiços e barracas dos banhistas
 no início do séc. XX, in postal ilustrado (col. pess.)



Bilhete da Carreira de Vapores para a Trafaria 
destinado à temporada de banhos 
no início do séc. XX
(col. Carlos Caria)



Banhistas nos seus trajes de banho na praia de Algés no início do séc. XX (arq. priv.)


Alfacinhas vão a banhos à praia de Algés em 1912, foto Joshua Benoliel (arq. AML)



Aspectos da praia de Algés e seus banhistas 
numa publicação do início do séc. XX 
(arq. pess.)



Banhistas na praia de Monte Estoril em meados dos anos 20 do séc. XX, foto Joshua Benoliel (arq. AML)


Banhista na praia de Monte Estoril em 1928, a bailarina russa Natacha, 
foto de Horácio Novais (arq. Biblioteca de Arte FCG)


Praia do Estoril repleta de banhistas no período de verão de 1967 (arq. pess.)



Banhistas na praia do Tamriz no Estoril fazendo praia e apanhando Sol na actualidade (arq. priv.)



Ambiente de verão na praia da Ribeira em Cascais na actualidade (arq. pess.)



Praticante de surf numa praia do Guincho em Cascais na actualidade (arq. priv.)



Praticantes de windsurf na Praia do Guincho na actualidade (arq. priv.)




Neste artigo, tal como nos demais deste blog, agradecem-se e serão sempre de louvar todas as correcções que possam existir, desde que sejam feitas de forma educada e construtiva.
Obrigado e boas leituras.

                              



Texto: 

Paulo Nogueira



Fontes e bibliografia:

 Sketches of Portuguese Life, manners, costume and character, London, Geo. B. Wittaker, 1826

 Diario Illustrado de 24 de julho de 1872

Visconde de Benalcanfor, Diário Illustrado, 31 de julho de 1874

Revista O António Maria de 16 de setembro de 1880

Olisipo: boletim do Grupo "Amigos de Lisboa", A. XIII, n.º 49, janeiro 1949